A criação de uma faixa especial isenta de Imposto de Renda para trabalhadores que ganham até R$ 5 mil – com algum desconto também para rendas até R$ 7 mil – será compensada por mudanças na taxação dos contribuintes de renda mais alta. Uma delas será a retomada da cobrança de IR sobre dividendos, extinta há três décadas.

A ideia do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que os mais ricos paguem uma alíquota mínima de IR, que partirá de pouco mais de 0% para aqueles com renda anual superior a R$ 600 mil e chegará a 10% para quem recebe mais de R$ 1,2 milhão por ano.

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Grande parte da renda desses contribuintes costuma vir de uma fonte que hoje é isenta de Imposto de Renda: a distribuição de dividendos a acionistas de empresas. Por isso, segundo o Ministério da Fazenda, hoje a alíquota efetiva média sobre rendimentos superiores e R$ 600 mil por ano é de somente 2,54%.

É exatamente nesse público que o governo mira para cobrir a perda de arrecadação com os trabalhadores de renda mais baixa. A ideia é retomar a cobrança de IR sobre a distribuição de lucros a pessoas físicas. Se as novas regras forem aprovadas pelo Congresso, a alíquota média dos contribuintes que ganham mais de R$ 600 mil anuais subirá para 9%, calcula a Fazenda.

A pasta espera arrecadar R$ 34,12 bilhões em 2026 com as medidas voltadas à alta renda. É mais que a renúncia de receita com a nova faixa de isenção, estimada em R$ 25,84 bilhões no mesmo ano. Os números, divulgados pela própria Fazenda, contradizem o discurso do governo de que a reforma será neutra do ponto de vista fiscal.

Segundo a equipe econômica, a diferença de valores serve para repor uma renúncia programada para 2025, com a atualização da faixa isenta para dois salários mínimos. O impacto calculado pela Fazenda nesse caso é de R$ 5 bilhões ao ano. Porém, mesmo somado aos quase R$ 26 bilhões de renúncia em 2026, o valor total (cerca de R$ 31 bilhões) fica abaixo da arrecadação anual projetada.

Imposto de Renda sobre dividendos foi extinto em 1995

O Imposto de Renda sobre dividendos foi extinto em 1995, na gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que decidiu concentrar na pessoa jurídica a tributação dos lucros, por meio do IRPJ e da CSLL. Foi uma forma de simplificar a cobrança e a própria fiscalização.

Hoje a alíquota nominal total desses dois tributos chega a 34% para empresas não financeiras e 45% para as financeiras. Muitas companhias, porém, participam de regimes especiais que, na prática, reduzem o tributo efetivamente pago.

Para garantir que o contribuinte de renda mais alta pague determinada alíquota mínima, o governo vai contabilizar todo o imposto que ele pagou em determinado ano e comparar com toda a renda recebida, incluindo salário, aluguéis, dividendos e outros rendimentos.

Se o valor recolhido ficar abaixo do porcentual estabelecido, o contribuinte precisará fazer um complemento. Caso alguém com renda anual acima de R$ 1,2 milhão tenha pago o equivalente a 7%, por exemplo, precisará pagar um extra de 3% para completar 10%.

A questão é que, se as novas regras do Imposto de Renda forem aprovadas pelo Congresso neste ano, para vigorar em 2026, esse “encontro de contas” com o contribuinte ocorrerá apenas em 2027. Enquanto isso, o governo lidará já no ano que vem com a perda de arrecadação provocada pela nova faixa isenta.

Para evitar o descompasso nas contas, a Fazenda decidiu instituir a retenção na fonte de dividendos. Ela será de 10% sobre qualquer valor, no caso de lucros remetidos a acionistas no exterior. Para os residentes no Brasil, a retenção será também de 10%, mas apenas sobre os dividendos acima de R$ 50 mil ao mês.

O governo promete que a soma da tributação efetiva sobre a pessoa jurídica mais a tributação mínima sobre o dividendo da pessoa física não será superior a 34% para empresas não financeiras e 45% para as financeiras. Caso a soma ultrapasse esses porcentuais, a Fazenda diz que o contribuinte receberá uma restituição em sua declaração anual de pessoa física.

“Quando [a empresa] paga a alíquota definida em lei, também aquele rendimento [dividendo] permanece isento”, disse o ministro Fernando Haddad ao anunciar a reforma do IR.

A Receita usou como exemplo uma empresa com lucro anual de R$ 100 milhões e que tenha pago R$ 29 milhões de IRPJ e CSLL, o que corresponde a uma alíquota efetiva de 29%. Essa mesma companhia pagou dividendos de R$ 1 milhão a cada acionista. Esse dividendo será submetido a uma alíquota mínima efetiva de 8%.

Mais adiante, no encontro de contas, o governo vai considerar a alíquota efetiva total, que será de 37% (29% sobre a pessoa jurídica e 8% sobre a pessoa física). Como ela supera o máximo de 34%, haverá um redutor de 3%. Com isso, a alíquota sobre o dividendo recebido pelo acionista será reduzida a 5%.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Imposto de Renda sobre dividendos pode configurar “bitributação” e esbarrar no Congresso

Tributaristas consultados pela Gazeta do Povo avaliam que a retomada da taxação de dividendos tende a reduzir a atratividade do investimento em ações. Segundo eles, o governo pode ter dificuldades para aprovar a medida, uma vez que a cobrança do imposto sobre a pessoa física pode ser vista como dupla tributação – uma vez que as empresas que distribuem esses valores já têm o lucro taxado.

“A tributação dos dividendos, obviamente, vai entrar na conta da rentabilidade de você ter ações e dividendos, e isso pode gerar algum tipo de mudança das cadeiras, como migração de recursos para outros investimentos”, diz Janssen Murayama, da Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados.

Ele observa que o Brasil é um dos poucos países que não tributam dividendos na pessoa física, mas que, ao mesmo tempo, a tributação sobre a pessoa jurídica no exterior não costuma ser tão alta quanto aqui.

“E a partir do momento em que você tributa a distribuição de dividendos, você passa a ter uma dupla tributação. E isso talvez seja o grande obstáculo que o governo vai enfrentar para aprovar esse projeto de lei no Congresso Nacional”, avalia.

A tributarista Maria Clara Artese Iacobucci, do Chinaglia Nicacio Advogados, segue a mesma linha: ainda que o governo fale em promoção de justiça tributária, a proposta pode levar à bitributação. “Os lucros da empresa já são tributados pelo IRPJ e CSLL, de modo que, ao exigir o Imposto de Renda na pessoa física dos acionistas, haveria dupla tributação dos mesmos valores”, afirma.

Presente no evento em que o governo anunciou sua proposta para o Imposto de Renda, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que o Congresso “com certeza fará alterações nessa matéria”. Mas não especificou o que pode ser modificado.

“Alterações que, com certeza, visarão a melhorar a proposta. Talvez fazer algo mais abrangente para o país e entregarmos uma proposta que atenda principalmente às pessoas que mais precisam”, disse Motta ao lado do presidente Lula e de ministros do governo.

Erlan Valverde, sócio na área de Direito Tributário de TozziniFreire Advogados, reforça o ponto: o lucro distribuído ao acionista já foi tributado antes na empresa, com alíquota que pode chegar a 34%. Por outro lado, o governo promete dar um desconto à pessoa física caso a tributação total (dela e da empresa) supere os porcentuais definidos em lei.

Quais rendas não serão consideradas no imposto mínimo dos mais ricos

Segundo o governo, a renda considerada para a fixação da alíquota mínima não inclui:

  • ganho de capital;
  • herança ou doação; e
  • rendimentos recebidos acumuladamente.

Também ficam excluídos da base de cálculo da tributação mínima:

  • títulos e valores mobiliários isentos;
  • poupança;
  • aponsentadoria e pensão de moléstia grave; e
  • indenizações.

Se você gostou deste conteúdo, considere se inscrever em nossa newsletter para receber artigos como este diretamente em sua caixa de entrada.
Publicado no Gazeta do Povo

Compartilhe

Mais Artigos

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *