BRASÍLIA – Sancionada na última semana , um regulamento da reforma tributária estipula regras que farão com que sejam tributados os fundos de investimentos imobiliários do tipo “tijolo” – ou seja, aqueles que investem em aluguéis e na compra e venda de imóveis – e os do agronegócio (Fiagro), o que pode interferir na rentabilidade de uma indústria que mobiliza um patrimônio de R$ 286 bilhões em ativos, segundo dados da Anbima.

Advogados e gestores se dividem sobre como obter a rentabilidade desses fundos com a tributação pelos novos impostos sobre consumo – o que vem provocando uma redução no Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix) superior a 2% desde a última sexta-feira.

No Congresso, as frentes parlamentares do empreendedorismo e do agronegócio já começaram a mobilizar seus integrantes , que estão em férias, para tentar derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que abriu caminho para a tributação.

“Derrubar o veto que foi colocado na regulamentação da reforma tributária ao dispositivo que era uma salvaguarda e garantia de que os fundos não foram tratados como substâncias é fundamental”, disse o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) em vídeo publicado em suas redes sociais. Ele é membro das duas frentes.

Quais fundos serão tributados?

O primeiro ponto a ter em mente é que se trata de uma nova tributação – hoje inexistente – que incidirá sobre as operações desses fundos que se acumulam ao aluguel, arrendamento e compra e venda de bens imobiliários.

As novas regras começarão a ter efeitos em 2027, quando começa de forma gradual a nova tributação sobre o consumo com a instituição da CBS (novo imposto federal) e do IBS (imposto de Estados e municípios).

A incidência do Imposto de Renda sobre o rendimento desses fundos não foi alterada. Ou seja, nos casos em que há autorização de IR sobre os dividendos pagos pelos fundos imobiliários e Fiagros, a regra segue valendo. A nova legislação trata apenas dos impostos sobre o consumo.

O Ministério da Fazenda afirma que os fundos imobiliários “de papel” – ou seja, os que aplicam e têm rendimentos decorrentes de operações financeiras – não serão tributados. Neste caso, o contribuinte é uma empresa que originou o ativo de fundo imobiliário, como a emissão de um CRI ou um CRA (Certificado de Recebíveis Imobiliários ou do Agronegócio).

Já no caso dos fundos imobiliários do tipo “tijolo” e dos Fiagros, a incidência de tributação pagaria a valer com o veto de Lula a um dispositivo que estipulava que os fundos poderiam escolher se fossem ou não gostariam de ser remunerados.

Soa contraditório, mas os fundos que alugam ou vendem imóveis para empresas podem usufruir do benefício de usar os créditos dessa tributação para reduzir seus impostos, caso sejam tributados. Se não for, esses créditos não existirão.

Para técnicos do Ministério da Fazenda, há casos em que fundos não tributários pagarão mais impostos do que os tributários, porque não terão direto a usar os créditos para reduzir tributos. A opção, no entanto, só voltará a valer caso o Congresso derrube o veto presidencial.

Esses fundos e os que têm ativos “tijolo” em suas carteiras, como os híbridos e multiestratégia, tinham R$ 245,7 bilhões em patrimônio em dezembro.

Quanto será a tributação?

A alíquota incidente será equivalente a 30% da alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) nas operações com aquisição e a 50% nas operações de vendas de imóveis. Ou seja, caso a alíquota de referência da nova tributação fique em torno de 28%, como já sinalizou a Fazenda, a alíquota fica em 8,4% no aluguel e 14% na venda.

As alíquotas começam a incidir em 2027 de forma gradativa – no primeiro ano, a incidência é de 30% da tributação. Só em 2033, quando termina a fase de transição, é que as alíquotas começarão a vigorar de forma cheia.

No caso de fundos imobiliários patrimoniais ou fiagros patrimoniais – criados por um investidor ou por uma família – haverá tributação, mesmo que o veto de Lula caia no Congresso.

Segundo a Fazenda, o veto foi feito por decisão da área jurídica do governo, que entendeu que a opção por não ser tributário poderia gerar um benefício tributário novo, que não foi previsto na aprovação da reforma tributária em 2023, e por isso extrapola a regra constitucional.

Claudio Algranti, gestor de fundos imobiliários Galoppo, afirma que a tributação diminuirá a receita a ser distribuída pelos fundos imobiliários por meio de dividendos, a menos que haja uma renegociação nos valores dos aluguéis cobrados.

Para o investidor que iniciou no lançamento inicial do fundo, a previsão é de que haja redução patrimonial. Já os que entraram no mercado secundário verão ajustes no valor de suas cotas.

Sair ou não da aplicação?

Antes que o investidor tome uma decisão sobre sair ou não da aplicação, é preciso estar atento a alguns fatores, alerta Algranti.

“É preciso esperar que a orientação seja concluída. Pode ser que isso caia no Congresso e, além disso, é uma regra que se inicia apenas em 2027. É prematuro o mercado precificar todo o risco imediatamente. Houve um primeiro choque, mas o mercado vai se ajustar”, diz.

Ele observa ainda que a perspectiva de alta da taxa básica de juros (Selic) e de um crescimento econômico menor já tem afetado o desempenho dos fundos imobiliários. Sendo assim, uma decisão antecipada de sair dessas aplicações pode fazer com que o investidor realize um prejuízo. Para Algranti, o momento de baixa, ao contrário, sugere que há boas opções de entrada.

Os novos fundos imobiliários, na avaliação do gestor, já deverão levar em conta a nova realidade de tributação na hora de precificar ativos que vão compor as suas carteiras.

“Não significa que esse tipo de fundo vá perder atratividade no mercado. Haverá novos fundos mais ajustados a essa tributação. Será uma questão de reprecificação”, diz.

Os Fiagros, cujo patrimônio acumulado gira em torno de R$ 41 bilhões, seguem a mesma lógica, afirma o tributarista Henrique de Palma, sócio da área tributária do escritório Cescon Barrieu. Os que são dedicados a investimentos financeiros podem escapar da tributação. Mas os Fiagros que são baseados em ativos como fazendas ou em contrato de parceria agrícola, em que se divide uma fatia da produção, serão tributados.

“Quem cobra o imposto é o fundo, que passa a ser tributado. Isso tem impacto para fins de rentabilidade do fundo”, afirma Palma. “Pode ser que haja um efeito sobre a atratividade dos fundos tijolo vis a vis os fundos de papel”.

O regulamento sancionado na semana passada também estabelece que todos os fundos de investimentos serão tributados pela CBS e IBS na cobrança da taxa de administração – isso vale para todas as famílias de fundos. Eles já cobraram esse tributo hoje, mas a depender da alíquota padrão final, é possível que aumente o incidente de tributação sobre os gestores, ou que aumente o custo dos administradores desses fundos.

FIDCs se dividem entre tributados e isentos

Outro grupo de fundos de investimentos que será tributado são os FIDCs, os chamados fundos de direito creditório ou de dívida privada, que ganharam adeptos recentemente. No ano passado, a captação desses fundos superou a dos fundos de ações e o patrimônio deles alcançou R$ 589 bilhões.

Neste caso, não há relação com o veto de Lula. Segundo o Ministério da Fazenda, os FIDCs que são patrimoniais, ou seja, de apenas um investidor ou de uma família, serão tributados. Já os FIDCs de entidades de investimento – ou seja, os que são oferecidos a investidores de uma maneira mais ampla – escaparam da tributação.

A alíquota, no caso do FIDC patrimonial, incidirá sobre o valor do deságio obtido com a compra de determinado direito creditório.

O entendimento, porém, é objeto de dúvidas entre tributaristas do setor privado. O economista Walter Fritzke, chefe do Mercado de Capitais do Martinelli Advogados, afirma que um trecho do texto sancionado dá margem para que, no futuro, os FIDCs oferecidos a investidores amplos (os de entidades de investimento) também possam ser objeto de tributação.

Isso porque o artigo 193 afirma que a tributação dos ativos que compõem esses fundos será definida por instrução do Conselho Monetário Nacional (CMN).

“Pode ser que um fundo que tenha recebíveis de cartão de crédito seja tributado e outro que desconta duplicatas, não. Essa referência ao CMN criou essa incerteza”, avalia.

O Ministério da Fazenda afirma que o intuito não é tributar os FIDCs que não sejam patrimoniais e que, se necessário, proporá ajustes ao texto legal até o início da vigência dos novos tributos.

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Publicado no Estadão

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