Por Aislane Vuono
MP 1262/24: uma análise do contexto de tributação das multinacionais
No último dia 3 de outubro, a publicação da Medida Provisória 1262/24, que trata de um incremento tributário sobre o lucro de multinacionais atuantes no Brasil, trouxe consigo uma problemática importante: ao mesmo tempo em que alinha o país com diretrizes propostas pelas Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (GloBE) da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e dos países membros do G-20, gerou críticas diante da celeridade de sua implementação e do pouco tempo dado às empresas para se prepararem diante dos impactos da MP.
De modo objetivo, a medida – já em vigor, mas que depende de votação nas câmaras legislativas para se tornar lei em nosso já complexo e oneroso sistema fiscal – institui uma tributação mínima de 15% sobre o lucro global das multinacionais com sede no Brasil a partir de um adicional de cobrança sobre a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as multinacionais sediadas no Brasil.
Conforme previsto em seu texto, a nova exigência prevê ainda que a tributação complementar deverá ser apurada e paga até o sétimo mês após o término do exercício fiscal, devendo atingir cerca de 290 companhias multinacionais atuantes no Brasil com receita anual igual ou superior a 750 milhões de euros, e com penalidades – em caso de descumprimento da norma – que incluem desde multa de 0,2% da receita total do ano fiscal por mês de atraso até 5% sobre valores omitidos ou incorretos na prestação de informações das empresas.
Alinhamento internacional X Impactos
Com o justo objetivo de evitar a concorrência tributária prejudicial entre países, as regras GloBE tem em seu alicerce a previsão de uma alíquota mínima global capaz de garantir que os lucros das multinacionais sejam adequadamente tributados, independentemente de onde estejam localizados.
No contexto brasileiro, a MP 1262/24 traduz essas diretrizes em uma base normativa, ampliando a margem da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para multinacionais submetidas a uma tributação efetiva inferior a 15%.
Apesar de alinhada a uma busca comum de grandes economias ao redor do mundo, a controvérsia se coloca quando pensamos, por exemplo, na pressa com que a MP foi editada, especialmente considerando que muitos países ainda estão em processo de adoção de regras envolvendo o imposto mínimo global e que não foi colocado em pauta, na medida, um período de transição para que as empresas atuantes no país abarquem em seu planejamento as novas obrigações fiscais.
Há ainda um eventual receio de expansão de medida semelhante para organizações de menor receita anual. Todo esse cenário, por fim, pode se traduzir em maiores repasses no preço de produtos e serviços para os consumidores, sobretudo quando consideramos as peculiaridades do sistema tributário nacional, que combina alta carga tributária e grande complexidade normativa e vive um período de profunda transição com o avanço da Reforma Tributária sobre o Consumo.
Isso posto, também é válido reforçar que a MP 1262/24 representa um passo importante no combate à erosão da base tributária, podendo também trazer benefícios no âmbito da transparência fiscal e justiça tributária no país.
No entanto, para que esses benefícios sejam alcançados e não haja perda da atração de investimentos no Brasil, é fundamental que a MP 1262/24 seja amplamente debatida no Congresso Nacional, de modo que se busque um equilíbrio entre arrecadação e manutenção da competitividade do país.
Do lado das multinacionais, o planejamento tributário segue como uma ferramenta essencial para que as organizações busquem caminhos de eficiência tributária, ao mesmo tempo em que se mantém em conformidade dentro de um cenário de mudanças.
A MP 1262/24 destaca-se como um marco na tentativa de modernização tributária do Brasil, em alinhamento com tendências globais. Contudo, sua implementação exige uma análise cuidadosa para evitar efeitos negativos, como oneração excessiva e perda de competitividade internacional. Ao promover um debate mais amplo no Congresso, será possível ajustar a medida, estabelecendo condições de transição e mitigando impactos indesejados, garantindo que as empresas tenham previsibilidade e a almejada segurança jurídica.
Aislane Vuono
Advogada, sócia do escritório Ferreira & Vuono Advogados, especialista em Direito Tributário, com MBA em Gestão Tributária, e especialista em consultoria e planejamento tributário e fiscal.
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Publicado no JUS