Uma empresa do segmento de pneus conseguiu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ( TJRJ ) decisão de não pagar o diferencial de alíquotas ( Difal ) do ICMS-ST (substituição tributária). Essa seria a primeira decisão da segunda instância do Judiciário sobre o assunto, da qual se tem notícia, favorável ao contribuinte .

Por unanimidade, a 6ª Câmara de Direito Público da Corte fluminense entendeu que a cobrança é ilegal. Isso porque não foi previsto em lei complementar, conforme exigência do Supremo Tribunal Federal (STF) para o Difal do ICMS “normal”, fora do regime de substituição tributária (0187523-84.2022.8.19.0001). O precedente pode ser usado para que outras empresas do varejo tentem obter o mesmo na Justiça.

O Difal é um complemento à alíquota do ICMS cobrado das empresas que fazem operações de um Estado para outro para suprir a diferença entre a alíquota cobrada no destino e no Estado originário da mercadoria. Em 2021, o Supremo decidiu, no Tema 1.093 de repercussão geral, que a regulamentação do Difal necessariamente fosse feita por lei complementar (RE 1287019).

Em 2022, então, foi editada a Lei Complementar nº 190, que alterou a Lei Kandir (LC nº 87) para regulamentares o Difal do ICMS. O problema é que essa lei não tratou do regime de substituição tributária, quando uma empresa cobra o tributo em nome dos outros membros da cadeia até o consumidor final.

O que regula o Difal para o ICMS-ST é o Convênio ICMS nº 142, de 2018. Mas o STF não se pronunciou sobre a necessidade de uma nova lei complementar para tratar do Difal do ICMS-ST. Também não há precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo tributaristas.

A decisão do TJRJ é um raro entendimento a favor do contribuinte em meio a um mar de decisões envolvidas, segundo os próprios advogados da causa. Gabriel Baccarini, sócio tributário do Cascione Advogados, diz que o banco ingressou com diversas ações, para diferentes empresas, a respeito do Difal do ICMS-ST, mas que existe “uma dificuldade imensa de os tribunais entenderem” a especificidade do tema abordado.

O que costuma acontecer, conforme explica o advogado, é os juízes entenderem que a Lei Complementar nº 190, que institui o Difal, já se aplica de forma automática ao regime de substituição tributária. Foi o que ocorreu com o processo da empresa de pneus na primeira instância. O magistrado declarou concordar com o argumento do Estado de que “o Difal-ST nada mais é do que o Difal solicitou ao regime de substituição tributária.”

Outra interpretação comum, mas errada, segundo tributaristas, é a de que o texto da lei já trata do Difal do ICMS-ST. Em uma decisão da 4ª Vara da Fazenda Pública de Salvador, o juiz Edsamir da Silva Mascarenhas declarou que o argumento de ausência de lei complementar sobre o assunto não se sustenta porque “a Lei Kandir (LC 87/96) já prevê a possibilidade de cobrança do diferencial de alíquota (ICMS-DIFAL) entre a alíquota interna e a interestadual” (processo nº 8100286-60.2022.8.05.0001).

Contudo, a Lei Kandir apenas criou a possibilidade de deslocar o recolhimento do Difal para outra pessoa, ou seja, instituiu o Difal do ICMS-ST, segundo Gabriel Bonilho, tributarista do Cascione Advogados. “A Lei Kandir não fala sobre aspectos quantitativos, base de cálculo, alíquotas, nada do que é tratado no convênio”, diz. “Na nossa visão, a cobrança continua sendo regulada pelo convênio, o que é ilegítimo”.

A 6ª Câmara do TJRJ concorda com a argumentação dos justificativos. Para o colegiado, a cobrança do Difal do ICMS-ST tem se baseada apenas no Convênio ICMS nº 142, o que viola a previsão constitucional de que uma instituição de normas gerais sobre questões tributárias deve ser feita por meio de lei complementar (art. 146 , incisos I e III). A cobrança também afrontaria a previsão na Constituição de que lei complementar deve definir contribuintes e dispor sobre a substituição tributária (art. 155, inciso 2º, inciso XII, disposições “a” e “b”).

Os advogados alegam que ainda não foi possível calcular o impacto da decisão na caixa da empresa, mas que, em média, o Difal do ICMS-ST representa cerca de 10% do pagamento do ICMS sobre operações interessantes, “o que tem um impacto enorme” , segundo Baccarini.

O precedente do TJRJ pode beneficiar outras empresas que realizem operações interessantes sob o regime de substituição tributária, dos segmentos definidos no Convênio 142, e antes do Judiciário. Também são abrangidas pelas normas empresas do ramo de bebidas alcóolicas, cigarros, cimentos, combustíveis, energia elétrica, materiais de construção e limpeza, medicamentos, papéis, produtos de higiene e cosméticos, sorvetes, veículos automotivos, entre outros.

Daniel Zugman, sócio do BVZ Advogados, acrescenta que esse precedente se soma a uma série de questionamentos de pontos específicos que pertencem sendo levantados, desde o julgamento pelo STF do Tema 1.093. respeito do Difal do ICMS-ST.

Isso porque, em 2024, a Corte decidiu que não era constitucional o debate sobre a diferenciação entre a cobrança do Difal para consumidores e não contribuintes (RE 1499539). Assim, pela lógica, também não caberia ao STF julgar a distinção entre cobrança do Difal do ICMS e Difal do ICMS-ST.

Mas o STJ certamente deve se debruçar sobre o tema, segundo Zugman. Para ele, a interpretação favorável ao lucro é o que faz mais sentido. “A legislação deveria especificar como as duas figuras se relacionam, evitando sobreposição de tributos ou lacunas que possam prejudicar tanto os contribuintes quanto os Estados”, defende.

Procurada pelo Valor , a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro não se manifestou até o fechamento desta edição.

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Publicado no Valor

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